Como a IA pode transformar o orçamento participativo: lições do estudo sobre São Paulo

Estudo examina como IA pode melhorar orçamento participativo em São Paulo, listando usos promissores, riscos (viés, privacidade) e recomendações para implementação responsável.

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Rayan Dores

10/2/20253 min read

A crescente adoção de tecnologias digitais em governos locais abriu espaço para que a inteligência artificial passe a participar também de práticas de democracia participativa. Um estudo recente, apresentado em eventos acadêmicos e disponível no arXiv, investigou exatamente isso ao explorar as capacidades da IA no contexto do orçamento participativo em São Paulo — uma das maiores e mais complexas cidades da América Latina.

O que o estudo analisou — em linhas gerais

Os autores mapeiam problemas práticos que hoje limitam a eficácia do orçamento participativo — desde queda de participação cidadã até conflitos sobre alocação de recursos — e testam como ferramentas de IA poderiam intervir em várias etapas do processo: coleta de propostas, triagem e priorização, resumo e tradução de ideias, detecção de inconsistências e suporte à tomada de decisão por parte dos gestores públicos. O trabalho combina revisão teórica com estudo de caso aplicado à plataforma de participação usada pela Prefeitura de São Paulo.

Aplicações promissoras identificadas

O estudo descreve várias funções em que a IA pode agregar valor concreto:

  • Apoio à formulação de propostas: modelos generativos podem ajudar cidadãos a transformar ideias vagas em propostas mais completas e viáveis, reduzindo a barreira técnica para participação. arXiv

  • Classificação e priorização automática: algoritmos podem agrupar propostas similares, estimar impacto social e custo aproximado, e assim acelerar a triagem inicial pela administração. arXiv

  • Acessibilidade e processamento de linguagem: IA pode resumir longos textos, traduzir propostas entre variantes linguísticas e gerar explicações em linguagem simples para públicos diversos. arXiv

  • Monitoramento de integridade: técnicas de detecção de anomalias ajudam a identificar tentativas de manipulação (bots, votos massivos) e potenciais conflitos de interesse.

Benefícios esperados

Segundo os autores, a integração responsável de IA pode:

  • Aumentar o volume e a qualidade das propostas recebidas;

  • Reduzir o custo administrativo de processar sugestões;

  • Tornar o processo mais inclusivo, se combinada com medidas de acessibilidade;

  • Elevar a transparência ao fornecer explicações automatizadas sobre por que propostas foram priorizadas.

Riscos e limites — o estudo é muito claro aqui

Os ganhos não são automáticos nem garantidos. O trabalho enfatiza que ferramentas de IA impõem novas exigências sobre a capacidade do Estado: infraestrutura tecnológica, pessoal qualificado, governança de dados e mecanismos de auditoria. Sem esses componentes, a IA pode ampliar desigualdades já existentes ou introduzir vieses nas decisões públicas. Os riscos apontados incluem: viés algorítmico, falta de explicabilidade, dependência de provedores privados e ameaças à privacidade dos participantes.

Condições necessárias para implementação responsável

Os pesquisado-res propõem um conjunto de recomendações práticas para quem pretende adotar IA em processos participativos:

  1. Auditoria e transparência algorítmica: publicar métricas, critérios de priorização e permitir auditoria independente.

  2. Capacitação do poder público: treinar equipes para operar, interpretar e fiscalizar sistemas de IA.

  3. Proteções de privacidade: aplicar consentimento informado e anonimização quando apropriado.

  4. Testes e pilotos locais: iniciar com projetos-piloto em áreas delimitadas para avaliar efeitos reais antes de escalar.

  5. Combinação humano–máquina: manter a supervisão humana nas decisões finais, usando IA como ferramenta de apoio, não substituto.

Por que importa para cidades brasileiras (e para o Click F5)

São Paulo reúne condições e desafios muito representativos: grande massa populacional, desigualdades territoriais e histórico de iniciativas de participação. O estudo mostra que, com desenho institucional adequado, a IA pode revitalizar mecanismos participativos históricos (como o orçamento participativo) e torná-los mais eficientes — sem, contudo, eliminar a necessidade de debate democrático e controle público. Para leitores interessados em tecnologia cívica, governança e inovação urbana, a pesquisa oferece um roteiro prudente para adotar IA sem abrir mão da legitimidade democrática.

Conclusão — um convite à experimentação responsável

A IA pode ser uma ferramenta poderosa para reengajar cidadãos e tornar a alocação de recursos mais eficaz. Ainda assim, o caminho exige cuidado: investir em capacidade institucional, transparência e inclusão é tão importante quanto a tecnologia em si. Os próximos passos práticos incluem pilotos bem desenhados, avaliação de impacto e construção de mecanismos de responsabilização — exatamente o blueprint que o estudo propõe para São Paulo e que outras cidades podem adaptar.